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Semana Santa: RAMOS: UM REI SENTADO NUM BURRICO

 

“Uma grande multidão que viera para a festa
aclamava Jesus Cristo:
Bendito o que nos vem em nome do Senhor!
Hosana nas alturas”
(Antífona do Domingo de Ramos)

            A procissão de Ramos inaugura a Semana Santa evocando a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém. O formulário da bênção das palmas pede o olhar de Deus sobre os ramos, para que, seguindo com alegria o Cristo, Rei, os fieis possam chegar com Ele à eterna Jerusalém. Os paramentos são vermelhos. Lembram o fogo e o martírio. Há alegria no ar. Os fieis chegam de todos os cantos. Cristo Rei entra no templo. As leituras da missa do dia nos colocarão diante do sofrimento do Messias. A afirmação da glória e do sofrimento de Cristo mostra-os justapostos em todos os dias da Semana Santa. Este paradoxo, segundo os liturgistas, é a própria língua do mistério. A procissão é como um sinal sacramental da Páscoa que é caminhada, caminho e êxodo. Entra-se na igreja com as palmas ou ramos, como na sexta-feira se entrará com a cruz e na vigília do sábado com o círio pascal. Tal procissão fala da coragem da partida, da esperança de uma terra e de uma humanidade novas. O Domingo de Ramos se reveste de alegria. Os ramos agitados, acompanhados do canto, mostram alegria.

            “Vinde, subamos juntos ao monte das Oliveiras e corramos ao encontro de Cristo, que hoje volta de Bethânia e se encaminha voluntariamente para aquela venerável e santa Paixão, a fim de realizar o mistério de nossa salvação (…). O Senhor vem, mas não rodeado de pompa, como se fosse conquistar a glória. Ele não discutirá, diz a Escritura, nem gritará, e ninguém ouvirá a sua voz (Mt 12, 1-9; cf. Is 42, 2). Pelo contrário, será manso e humilde e se apresentará com vestes pobres e aparência modesta” (André de Creta, Liturgia das Horas II, p. 366).

            Jesus entra em Jerusalém montado em um jumento. O gesto marca a pobreza e simplicidade do Messias. Jesus pede que lhe procurem um asno, mas devolvê-lo-á depois. O burrico é a cavalgadura do Messias pobre e humilde de Zacarias (9,9). O cortejo que acompanha Jesus mostra características reais como aparece nos mantos estendidos sobre o caminho e nas palavras de ovação. Há uma grande distância entre a concepção messiânica vivida pela multidão e a maneira como Jesus encara esse momento. Jesus sente-se a pedra que os pedreiros rejeitaram. Não partilha da concepção de um messianismo triunfalista.

            A profecia do servo sofredor, texto escrito muito tempo antes de Jesus e lido na missa dos ramos (Is 50, 4-7), descreve antecipadamente a missão de Jesus: o servo abre os ouvidos para as palavras de Deus, oferece as costas aos que nele batem e as faces aos que lhe arrancam as barbas, não desvia seu rosto das cusparadas e dos bofetões. Tendo entrado no templo, depois da procissão, somos lançados em cheio na paixão do Senhor (Filipenses).

            Gerrico d’Igny (século XIII), em homilia, reflete sobre o paradoxo de glória e abaixamento que ocorre no conjunto da liturgia dos ramos. Muitos, com efeito, ficaram admirados com a glória de Jesus. Parecia um triunfador vitorioso, mas pouco a pouco, na medida em que se avizinhava a paixão, seu semblante foi privado de glória e todo Ele ia sendo humilhado. A procissão faz lembrar a honra prestada ao rei. A Paixão, lida na Missa de Ramos, mostra o castigo reservado aos ladrões. Na procissão Jesus é envolvido de glória e de honra, na Paixão tem o rosto deformado e sem beleza. Na procissão é aclamado como bendito filho de Davi. Na Paixão é declarado digno de morte e é ridicularizado. Durante a entrada em Jerusalém as pessoas tiram suas vestes para que Jesus passe por sobre elas, montado no burrico. Na hora do abandono, Ele é privado das próprias vestes. Aquele que entra em Jerusalém, montado num burrico, morre abandonado fora dos muros de Jerusalém, na colina do Crânio.

            “Percebemos no Domingo de Ramos, portal da Semana Santa: um processo rapidíssimo, uma traição, um beijo falso, um julgamento sob pressão, um juiz covarde, a condenação de Jesus à morte. O povo se frustra, desanima. Parece que não adianta lutar, que as coisas têm que ser assim mesmo. Parece que tudo termina por aí: os pobres sempre mais pobres, as violências crescendo e os inocentes morrendo (…) porém, dessa cruz, instrumento de morte, brotou a vida, a ressurreição, a proposta da Igreja das comunidades fraternas” (Roteiros Homiléticos da CNBB – Tempo da Quaresma e Tríduo Pascal do Ano B, p. 67).

            Terminamos estas reflexões sobre a Festa dos Ramos dando novamente a palavra a André de Creta: “Acompanhemos o Senhor, que corre apressadamente para a sua Paixão, e imitemos os que foram ao seu encontro. Não para estendermos à sua frente, no caminho, ramos de oliveiras ou de palma, tapetes ou mantos, mas para nos prostrarmos a seus pés, com humildade e retidão de espírito, a fim de recebermos o Verbo de Deus que se aproxima e acolhermos aquele Deus que lugar algum pode conter” (loc.cit.id.ibidem).