Artigo

Artigo: João Batista, padroeiro do Movimento de Emaús

“Vai João, apanha o seu violão”

Isabel, mulher de idade avançada e estéril. Zacarias, pai de linhagem sacerdotal e de ofício exercido no templo. A concepção do último profeta do Antigo Testamento foi muito mais fé e esperança da mãe do que, propriamente, a credulidade do pai; a dúvida da intervenção de Deus na vida da esposa rendeu ao velho sacerdote a perda da capacidade de se comunicar (Lc 1,5-25).

Pelas narrativas dos evangelhos, João teve contato precoce com o Messias, precisamente quando estava no ventre de sua mãe Isabel, ao receber a visita de sua parente Maria, vinda de Nazaré para auxiliá-los nas tarefas diárias enquanto se completavam os dias da gestação. Há interpretações do que poderia significar o estremecer sentido pela mãe e pelo filho, ouvindo a saudação da esposa de José, que também estava grávida de Jesus Cristo; talvez um sentimento de temor, prefigurando a difícil missão advinda de ser o precursor do Senhor, o Salvador (Lc 39-45).

Após uma vida infante sem informações, João reapareceu no deserto depois de austera preparação; vestindo-se de pele de camelo, alimentando-se de mel silvestre e gafanhotos; fazendo-se ouvir como uma “voz que clama no deserto”, para o povo se arrepender dos pecados, se converter, preparar a vida para acolher o Reino de Deus através Daquele que era “maior do que ele, não sendo digno nem mesmo de desatar as correias das suas sandálias” (Mc 1,1-8).

O rio Jordão tornou-se outro cenário da missão de João. Nele, o “Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” aproximou-se, entrou nas águas e, mergulhando sua existência anônima, permitiu ao Batista emergi-Lo para a vida pública, pois o anúncio do Reino de Deus, o arrependimento dos pecados e a conversão, que eram incumbências do precursor, tornou-se missão urgente do Salvador; despontava-se assim a plenitude dos tempos, a graça salvífica redentora (João 1, 29-34).

O desfecho da vida do precursor foi sob a injustiça e a iniquidade do representante do império romano. Herodes prendeu o Batista porque denunciou sua união ilegítima com a esposa de seu irmão. Um dia, numa festa, o rei se encantou com a dança da filha de Herodíades, e prometeu-lhe o que quisesse; influenciada pela mãe, ela pediu a cabeça de João. Ele acabou sendo extirpado deste mundo por causa do seu comprometimento com a verdade dos mandamentos da Lei de Deus (Mt 14, 3-12).

Posta brevemente a biografia de São João Batista, pode-se resumi-la da seguinte maneira: São João Batista foi protagonista de seu tempo. No silencioso deserto, discerniu a vontade de Deus. Frente a ruidosa multidão, pregou o arrependimento e a conversão. Perante o Messias, batizou-o, reconhecendo sua infinita superioridade. Mesmo preso manifestou audácia e coragem. E ao tirânico Herodes, comunicou a incômoda voz da verdade divina.

Agora não é difícil intuir que sua escolha como padroeiro do movimento de Emaús está relacionada com a sua vida protagonista. Esquecida no tempo, esta palavra ganhou força na década de 60, e concluso o Concílio Vaticano II, a Igreja quis ser sujeito atuante da história, lutando contra alienações e acomodações que lhe impedisse de atuar para salvação dos homens e das mulheres de todos os tempos.

A modernidade exigia do mundo mudanças, e no Brasil não seria diferente o apelo por transformações, em todas as esferas. Anseio por mais liberdade, luta pelo estabelecimento do regime político democrático (por diretas já); a originalidade da MPB compunha canções ao som de violões (tão essencial até hoje ao Emaús); a Tropicália em contraposição do elitismo da Bossa Nova, reconfigurando o nacionalismo do início do século (que deu chance ao país de uma identidade genuinamente “tupiniquim”), descobrindo novas formas de se expressar e pensar a autêntica personalidade brasileira. Enquanto isso, no esteio da revolução, a Igreja contribuí com iniciativas de evangelização para jovens, cada qual com suas finalidades específicas, mas mantendo sempre como prática fundamental o anúncio do evangelho. Neste momento destacam-se: JAC (Juventude Agrária Católica), JEC (Juventude Estudantil Católica), JOC (Juventude Operaria Católica) e a JUC (Juventude Universitária Católica). A estratégia era inserir-se nas realidades, transformando suas estruturas pela evangelização.

O protagonismo da Igreja no Brasil, sob a inspiração do Espírito Santo, mais especificamente por meio do monsenhor Calazans, vislumbrou como exigência do mundo moderno a estruturação do movimento de Emaús. Sua relevância desponta-se para preencher lacunas no serviço de catequese da Igreja, numa metodologia capaz de proporcionar à juventude conhecimento cada vez mais aprofundado sobre a Bíblia e a Doutrina Cristã Católica. Sendo assim, cria-se: “Um Curso de Valores Humanos Cristãos”, num molde querigmático intenso de poucos dias, desdobrando-se em estudos sistematizados através de escolas missionárias; aqui houve (ainda há) uma relação indireta com os outros trabalhos de evangelização, porque inúmeros jovens assumiram tantas outras tarefas na Igreja e na sociedade, bem mais preparados para enfrentar, sem temor, os desafios de sua época.

Vai João apanha o seu violão… O movimento de Emaús, a exemplo de São João Batista, é assim até os dias de hoje: protagonista da história, preparando os jovens para acolherem Jesus Cristo e os valores do seu evangelho, sendo inseridos na Igreja e na sociedade para transformar suas estruturas, tornando-as mais justas e solidárias.

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Pe. Ricardo de Oliveira

Diretor espiritual do Regional Sudeste I

Referências:

Sagradas Escrituras
Catecismo da Igreja Católica
Igreja Contemporânea – Encontro com a Modernidade

Editado em 30/06/2020, às 11:09, para esclarecer pontos sobre a história dos movimentos culturais do Brasil.