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Artigo

Catequese: Memórias de um Cantor de Emaús

“Hoje minha alma está em festa, não há mesa como esta, sempre há pão pra se partir. Minha alma é aquela aldeia, meu amor, a estalagem, Emaús enfim sou eu. (Pôr do Sol em Emaús)”

Esse texto faz parte da nossa série de artigos catequéticos que serão publicados todas às quartas do mês de Junho sobre João Batista e a música no movimento de Emaús.

Senti-me extremamente lisonjeado e honrado ao ser convidado para escrever um pouco sobre minha caminhada como Cantor de Emaús, mas ao sentar-me diante do computador, percebi o tamanho do compromisso que assumi ao dizer mais um SIM ao Movimento de Emaús. Alguns anos se passaram desde que decidi que iria trabalhar sempre COM e PARA a juventude, e desde então tenho vivenciado muitas experiências positivas, algumas surpresas e, certamente, muitas emoções.

Iniciei minha caminhada um tempinho antes de passar pelo 25º Emaús Masculino da então Diocese de Sorocaba, em março de 1988. Ao dizer SIM para o convite de compor o “Folclore” do grupo de jovens Jerusalém  – nessa época os “cantores” eram assim denominados, comecei então a conviver mais efetivamente com o pessoal do Emaús, indo sempre com minha flauta (ainda não me sentia seguro em “persegui-los” com meu violão), participando das missas e outras atividades que precisassem de uma música para animar. Esse tempo foi de intenso aprendizado, como comunidade e como músico, pois o nível do folclore de Tatuí era bastante alto, não só na música, mas sobretudo espiritual.

E eis que o momento que eu tanto esperava desde os meus 12 anos de idade chegou: finalmente iria vivenciar e conhecer o tal curso de Emaús. E que maravilha, que emoção. Como não poderia ser diferente, fiquei muito atento a todas as músicas. E, posteriormente, vieram as oportunidades de voltar à aldeia, como auxiliar de cantor.

Tivemos nesse período também a realização de um Encontro Diocesano de Cantores de Emaús – Edice em Sorocaba, e na quarta ou na quinta-feira, às vésperas portanto, uma das pessoas que estavam organizando me ligou, dizendo que o Edice seria cancelado por falta de músicas inscritas, e se eu não teria composições para enviar para que o evento pudesse ser realizado no domingo próximo. Mais uma vez o meu SIM sendo cobrado. Então, num rompante não sei de que, passei a noite em claro e compus, de uma só vez, cinco canções, sendo duas musicando lindas letras de um jovem poeta emauista, o Marco Aurélio Assumpção, e outras três que saíram como cascata, jorrando letra e melodia. Não sei quanto a qualidade poética e musical dessas músicas, mas foi como pude colaborar para que o Edice acontecesse. Vale a pena dizer que as músicas não receberam nenhum tipo de premiação ou aclamação, mas me dei por satisfeito ao saber que minhas canções, juntamente com as demais, ajudaram a tornar possível aquele domingo festivo.

E as lembranças vão surgindo, brotando vivas na mente…lembro-me de um curso em que os cantores eram João Batista – como responsável – e como auxiliares: Nino Zacariotto, Renato Massari e eu. Aqueles que conhecem o digníssimo responsável pelos cantores, sabe que ele gosta de “criar” ambientações musicadas, e esse curso não poderia ficar sem uma dessas experiências. Nessa época, os cursos aconteciam na chácara São José em Sorocaba, que ainda não havia passado pela reforma das instalações, e a capela propiciava um ambiente escuro, aconchegante e acolhedor para meditações e orações. Pois bem, num desses momentos, o responsável “criou” o seguinte cenário: em frente a capela havia um saguão amplo, fechado, com a porta de entrada distante. Ele me disse para ir com a flauta nessa porta, portanto distante vários metros da capela, um violão no meio do saguão, um na porta da capela e outro já dentro. Como a acústica do saguão era propícia, a medida em que eu me aproximava, o som da flauta ia invadindo a capela num volume crescente, sendo acompanhado pelos violões, cada um por vez. O nosso querido e saudoso Eduardo Guenka, se emocionou, e saiu da capela nos xingando, dizendo que iríamos matar gente do coração – assim que pudemos, foi uma risada só.

Outro causo que me vem à mente, foi no primeiro curso do Secretariado Diocesano de Itapetininga, em 1998, e mais uma vez o SIM sendo posto à prova. Tive a felicidade de ter sido convocado para servir como monitor jovem auxiliar de cantores, nesse que foi o curso histórico de nosso secretariado. Equipe convocada, primeira reunião preparatória, cadê o responsável dos cantores? Demos um jeitinho, porque poderia ter acontecido algum imprevisto e tudo certo. Chega a segunda reunião, e outra vez, aonde está o responsável pelos cantores? Então o Guenka que foi o timoneiro, chega para mim e diz que iria ser obrigado a cortar o responsável e se eu poderia assumir como tal. Lembro-me bem que minhas palavras ao Guenka foram, resumidamente duas: se adiantaria alguma coisa eu falar NÃO, e que meu SIM ao Emaús era incondicional; iria para qualquer função que fosse necessário. Por dentro, estava apavoradíssimo porque, apesar de acumular alguns cursos, sempre estive como auxiliar, e minha timidez era o grande inimigo a ser domado. Sim, timidez, ainda que nem minha mãe, esposa e filha acreditem, eu sou extremamente tímido, sobretudo com relação a cantar.

Vieram outros cursos, outras histórias, muitos novos amigos, muitas surpresas, muitas experimentações, como por exemplo, compor dentro do curso de Emaús. Começamos num destes, o Edson Cebola e eu, a escrever letras conforme as palestras iam sendo realizadas. Ele escrevia um trecho e passava para mim, e vice versa; assim, muitas letras tomaram forma. Depois, nos tempos livres, tentávamos colocar a melodia e escrever as cifras. Como resultado, temos algumas compostas, e inúmeras canções com letras e cifras que não nos lembramos nem se eram lentas ou mais animadas. E quando o Tiago Gonçalves, nosso querido e talentoso amigo que dispensa apresentações veio para a família Emaús, aí essa experiência cresceu de maneira exponencial, a ponto de termos conseguido compor uma canção pelo aplicativo do celular, obviamente não dentro do curso, em alta madrugada, e também numa Maranatha de acolhida, enquanto uma jovem compartilhava sua experiência do 4º dia, fomos rascunhando sobre o que ela falava e posteriormente sendo finalizada a canção.

Para finalizar, uma lembrança na qual preciso fazer justiça com a linda e eterna canção “O Pôr do Sol em Emaús”. Essa música foi composta durante um curso de Emaús em Sorocaba, por três pessoas iluminadas, essas que tive o prazer e a honra de me tornar amigo e mais, ter podido compartilhar momentos nos cursos em que trabalhamos juntos: o querido e saudoso padre Ricardo Dias Neto (o “Rica”, como o chamávamos), José Antonio Zacariotto, o “Nino” e o João Batista Alves Floriano, o João Batista mesmo. Um belo dia, eis que o Rica me liga, contando que “nossa” música iria ser gravada pelo pessoal de Florianópolis. Eu falei a ele que era uma grande alegria, mas perguntei se ele falou “nossa” por ser uma música do nosso secretariado. E ele enfaticamente me diz que não, que disse isso porque, afinal, eu também era um dos compositores. Eu expliquei que isso era impossível, porque a música foi composta um ou dois cursos antes do meu. E aí ficamos no embate “Você é sim! Eu não sou!” por um bom tempo.  Ele insistia que se lembrava de mim tocando flauta naquele momento. O que pude concluir foi que até o primeiro curso que trabalhei, “O Pôr do Sol em Emaús” só tinha sido executada com violões, e nessa oportunidade que tive, comecei a “brincar, fazer firula” com a flauta – o que o Rica adorou – e, posteriormente, até escreveu a partitura dessa brincadeira que fiz. Contei o fato ao João Batista e ele me disse que se o Rica me considerava como compositor por conta da firula na flauta; ele, João, não se opunha, e certamente o Nino, tampouco, iria ser contra; portanto, era para eu sossegar e me considerar como um dos autores. E isso ficou esquecido, até que recentemente, me deparo com o CD de comemoração do jubileu de ouro do Movimento de Emaús, no qual consta meu nome como um dos compositores, e – ironia do destino – por ter sido organizado em ordem alfabética, o meu vem em primeiro lugar. Gostaria de ter sido mesmo um dos criadores dessa linda página do Emaús, pois tenho um carinho muito especial por ela: pela mensagem em si e pela maneira como que ela apresenta; por ter sido apresentado a ela no encerramento do meu sonhado curso; por ter tido a oportunidade de caminhar pelas estradas a Emaús com os três compositores; e também por ser uma das músicas do movimento que meu pai, o Jaymão amava.  Pronto, a verdade é essa, não sou um dos pais da música, mas aceito ser, digamos, o “pai de contrabando” dela.

Bem, ao longo desse tempo como cantor de Emaús, pude acumular vivências e experiências gratificantes, edificantes, e ao escrever aqui, várias vieram à mente, dando aquele gostinho nostálgico, de saudade, de momentos marcantes, de muitos risos, de algumas lágrimas e de muita, mas muita vida em Emaús.

Peço desculpas de não citar outros cantores do Emaús, para não correr o risco desse texto ficar enorme, mas tenho na memória pelo menos um momento compartilhado com cada um deles.

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Jayme Campos Júnior “Jayminho”

Membro do Emaús desde 1988, inicialmente no Secretariado de Sorocaba e depois Itapetininga.
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