Artigo
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Nênia quaresmal
. Sou feito da lama do efêmero, emendado pela amálgama do Eterno, e tenho medo do delírio trincar-me os calcanhares. Sou afeito às cinzas do fugidio, escravo agrilhoado às correntes do Infinito, perecendo sob a intolerável leveza de mim. Sou rarefeito no mutismo do ermo, transfigurado na provocação do Sempiterno, peregrinando numa urgência de não ser desabitado.
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Carta ao menino servo do Pão Partido
A vida é uma estrada. Para alguns, longa; para outros, nem tanto. Ela é ora plana, ora esburacada; às vezes, o horizonte que a contorna é florido; outras vezes, o que resta é secura. Ela suja os pés com a poeira, porque o seu imperativo é: jamais parar! Caminhar é um verbo que rima com estrada. E nos passos se escondem muitas surpresas. Talvez as maiores delas estão reservadas aos companheiros, que dividem conosco as dores e os prazeres dessa aventura. Assim foi com os discípulos, rumo a Emaús: a dor da frustração e a delícia do Pão Partido. Assim já nos é: do menino que deu a sua juventude…
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Editorial de Fevereiro
“Não me atrevo pôr nenhuma vírgula onde Deus já pôs ponto final” Quantas vírgulas, quantas arestas, quantas frestas!… Inúmeros capítulos incompletos, histórias inacabadas, versos não rimados… porque o passado já não inspira o presente, muito menos impulsiona o futuro. E assim, o roteiro do viver perde o sentido, a coerência, a fluidez. É mais que urgente a necessidade de recomeçar. E não há heresia alguma nisso. A vida se impõe, constantemente. E o que torna a bagagem cada vez mais insustentável precisa ser lançado fora, o mais distante possível. Mortos que não sepultamos, despedidas que evitamos, rachaduras que não fechamos, galhos que não podamos, feridas que não curamos. Tudo o…
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Editorial de boas-vindas
“No princípio era o Verbo…” Deus é um grande poeta. Grande não, imenso. Tão imenso que a poesia que lhe palpita escorre, chovendo em beleza. A nós, querido leitor, só nos resta jogar longe os sapatos, soltar os cabelos, abrir os braços e dançar, no ritmo da métrica do encanto. O olhar carece de demora, se essas rimas deseja, a alma, interpretar. Sim: tudo é poesia! O solfejo do bem-te-vi, o despir do ipê, o cochicho da brisa. O perfume do café quentinho, o afago da canja quando a gripe, o bolo de fubá da avó. O suor do parto, o riso cristalino da criança, o desengonçado flerte dos adolescentes,…